domingo, 15 de novembro de 2009

Bancos privados já têm mais de 60 mil amostras de células estaminais

É como um seguro: faz-se na esperança de nunca ser preciso. Em Portugal, em apenas seis anos, os bancos privados e público já têm congeladas cerca de 61 mil amostras de células estaminais de sangue do cordão umbilical.

A esmagadora maioria preferiu investir cerca de 1200 euros para acautelar a possibilidade, estatisticamente improvável, de as células estaminais do sangue do cordão umbilical virem a ser necessárias. Porque tratando-se da saúde do filho, não querem arriscar. Outros - ainda poucos - doam generosamente as preciosas células. Para aumentar as probabilidades de cura de qualquer pessoa que delas precise para viver.

Em poucos anos, as células estaminais passaram do (quase) absoluto desconhecimento a uma prioridade nas listas de preocupações de muitos pais. Desde 2003, ano em que a primeira empresa começou a operar em Portugal recorrendo a um laboratório em Bruxelas (a Crioestaminal), até 2009, que marcou o arranque do primeiro banco público, o crescimento tem sido enorme.

De acordo com informações recolhidas pelo JN junto de quatro das principais empresas do sector - Bebé Vida, Bioteca, Crioestaminal e Criovida -, as amostras de sangue do cordão umbilical congeladas (crioconservadas) em bancos privados ascendem a mais de 60 mil.

O Banco Público de Sangue do Cordão Umbilical (LusoCord), em funcionamento desde Junho no Porto, tem cerca de 500 amostras crioconservadas, número que deverá crescer para 800 nas próximas semanas, dado que foram recentemente entregues 300 kits para recolha do sangue do cordão umbilical, de acordo com a directora, Helena Alves.

Os procedimentos para pedir o kit, fazer a recolha e enviar para o laboratório são semelhantes no público e no privado. O sangue do cordão umbilical, que contém as células estaminais, só é recolhido se os futuros pais o solicitarem. Caso contrário, e não obstante o seu valor terapêutico, vai para o lixo. O investigador do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (Universidade do Porto) Mário Sousa, defensor de um banco público desde a década de 90, considera necessário um programa nacional para sensibilizar os pais para a necessidade da doação deste material e, também, para implementar procedimentos de rotina nos hospitais para que, quando haja consentimento informado prévio dos progenitores, se realize um número mais elevado de colheitas para o banco público.

Ao contrário do que acontece nas empresas privadas, o serviço de crioconservação do banco público é gratuito, mas não oferece qualquer garantia de que o doador tenha as suas células disponíveis se vier a precisar. Nos privados, a amostra só é utilizada pelo dador ou respectiva família.

Contudo, como a taxa de utilização oscila entre 1 e 3%, caso um doente precise de recorrer à sua própria amostra, "o mais provável é que estivesse guardada" no banco público, assegura Helena Alves.

"Os bancos públicos têm como único objectivo tratar doentes", sublinha, acrescentando que o tratamento "faz-se em rede mundial". Isto significa que todos os bancos públicos "disponibilizam as amostras para os doentes, seja qual for a sua nacionalidade, raça ou credo". De acordo com directora do LusoCord, que cita dados oficiais, entre os mais de 20 mil transplantados com células do cordão umbilical, há já portugueses.

Uma das questões mais relevantes na crioconservação de células estaminais é saber durante quantos anos se mantêm viáveis, isto é, em condições de serem transplantadas com êxito. Os contratos celebrados com os bancos privados geralmente prevêem períodos de 20 a 25 anos, com possibilidade de renovação.

Como os primeiros transplantes com células do cordão umbilical foram feitos há pouco mais de uma década, ainda há mais perguntas do que certezas. Agostinho Almeida Santos, catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra, não tem dúvidas de que a medicina regenerativa se tornará rotineira num futuro próximo, mas sublinha que "não há quaisquer garantias" quanto ao ao prazo em que se mantêm viáveis.




O que são células estaminais?

São células indiferenciadas, que podem dar origem a todo o tipo de células do nosso organismo. Além de poderem diferenciar-se, estas células têm capacidade de auto-renovação e de multiplicação. As células estaminais existem no embrião, no cordão umbilical dos recém-nascidos e também nos indivíduos adultos, em vários tecidos e órgãos. As que têm maior capacidade de diferenciação, renovação e multiplicação (pluripotentes) são as embrionárias, seguindo-se as do sangue do cordão umbilical, recolhidas aquando do nascimento, sem prejuízo para a mãe ou para o bebé. As da medula óssea, embora tenham menos capacidade de diferenciação, também são muito usadas para tratamento de diversas patologias.

Probabilidade de ser preciso é baixíssima

Calcula-se em 0,5% a probabilidade de alguém vir a sofrer de leucemia ou outra doença tratável com transplante de células estaminais. Considerando outras variáveis (como a amostra ser compatível e estar guardada), a probabilidade de uma pessoa vir a precisar das suas próprias células é inferior a 0,1%, de acordo com Helena Alves, directora do LusoCord. Quanto à probabilidade de se encontrar uma amostra compatível na rede mundial, embora também seja baixa, aumenta à medida que as dádivas crescem. Actualmente, há 400 mil amostras em bancos públicos.

por Jornalista Helena Norte, in edição on-line do Jornal de Notícias de 15 de Novembro de 2009

Vanda Craveiro, 15 de Novembro de 2009

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