quinta-feira, 4 de março de 2010

Porque os órgãos não caem das árvores...

The Tree of Life


A idade média dos dadores de órgãos aumentou 150% em 15 anos. Nessa altura, a média era de 20 anos e hoje o dador tem 50. A evolução está ligada à redução drástica dos acidentes de viação, trabalho e domésticos, que vitimavam pessoas mais jovens. Para já, não há escassez, mas o director da unidade de cirurgia cardiotorácica dos Hospitais Universitários de Coimbra, Manuel Antunes, calcula "que dentro de cinco a dez anos possa haver uma redução na colheita" de órgãos adequados a doentes mais jovens.
Para já, há margem para a colheita de corações e pulmões aumentar. Porém, recorde-se que estes órgãos não se regeneram, o que significa que não serão adequados para todos os pacientes, especialmente mais jovens.
Uma solução é aumentar a colheita em dadores cadáveres mais velhos, uma área onde há muito trabalho a fazer mas já há soluções, uma vez que os órgãos destes dadores são bons e ainda há 40% de dadores jovens para responder às solicitações.
Noutros órgãos, caso do rim e fígado, a solução pode passar pela doação de um dador vivo, assunto já referido no blogue. As crianças, por exemplo, encontram órgãos compatíveis sobretudo em dadores pediátricos ou vivos.

Só entre 2007 e 2008 Portugal passou assim de uma taxa de 23,9 para 26,7 dadores cadáver por milhão de habitantes. Curiosamente, no que respeita à colheita de órgãos e tecidos em cadáveres, a legislação em Portugal é das mais avançadas, ao presumir que todos os cidadãos são dadores depois do falecimento, excepto os que se registaram no Registo Nacional de Não Dadores (RENNDA). Apesar da legislação facilitadora, paradoxalmente tem sido crónica a falta de órgãos para transplantação.
Essa legislação repercutiu-se não só na colheita de órgãos e tecidos em cadáveres, mas também, e de forma relevante, no que respeita à doação de órgãos a partir de dadores vivos. A Lei n.º 22/2007 que alterou a Lei n.º 12/93, relativa à colheita e transplante de órgãos e tecidos de origem humana, veio facilitar a doação em vida, retirando os constrangimentos do grau de parentesco e permitiu aumentar significativamente o número de transplantes a partir de dador vivo desde que foi publicada a sua regulamentação, deixando muitos cidadãos exprimirem os seus sentimentos de solidariedade, doando um órgão a um cônjuge ou a um amigo, o que a anterior legislação impossibilitava.


O Coordenador Hospitalar de Doação de cada hospital é também fundamental, tendo como funções detectar e avaliar os possíveis dadores no hospital, desde o serviço de Urgência até aos serviços hospitalares onde possam vir a ser tratados, designadamente nas áreas de cuidados intensivos. As funções do CHD são tanto mais preponderantes quanto se sabe que perante a diminuição, por razões conhecidas, de dadores vítimas de traumatismo craniencefálico.
Perante esta realidade, há que alargar a selecção de dadores em morte cerebral às vítimas de AVC, o que implica termos dadores em faixas etárias superiores e com co-morbilidades mais frequentes. Por isso, todas as situações de oportunidade para optimizar o aumento do número de dadores têm de ser encaradas, para que não se percam potenciais dadores, sobretudo do foro não traumático, e se consiga proporcionar o aumento desejado de colheitas de órgãos. Isto implica mudar comportamentos e alterar conceitos, designadamente no que respeita ao conceito de dador «expandido», subjacente à maior idade e às co-morbilidades destes doentes, e que eram há anos rejeitados como tal. Esta será uma realidade que, doravante, teremos de encarar, mas com um significado muito positivo no que concerne à diminuição da sinistralidade rodoviária no País.

O processo de doação é uma oportunidade de vida, uma oportunidade de utilidade, uma oportunidade de renascer, mas tudo isto só pode ser entendido, quer pelos familiares dos dadores, quer por nós próprios, se conhecermos claramente todo o processo que envolve a doação de órgãos, também já referido.
A Lei Portuguesa, altruísta nesta matéria, dizendo que todos nós somos dadores se, em vida, conscientemente e voluntariamente não declararmos o contrário, deveria fazer de Portugal um país com um número de dadores tão bom quanto outros países na Europa, mas isto ainda não acontece, e daí a necessidade de aumentar o número de dadores em Portugal.

Órgãos colhidos em Portugal

Cada dador pode salvar 7 vidas, cada dador é um ser único e querido, para a sua família, e é nesta dicotomia, que se apresenta a dificuldade da doação, e outras dificuldades menores, mas ainda assim não desprezíveis, como o trabalho que para os Intensivistas e Enfermeiros das Unidades de Cuidados Intensivos dá a manutenção do dador, mas estas podem ser resolvidas de um modo cabal, depois de reconhecido o seu valor e sua importância.

Verónica Cabreira, 4 de Março de 2010

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostaria de conhecer as vossas fontes para maior divulgação.